LI E INDICO
Arte gráfica: professor Davi Portela |
As imagens do passado são
indestrutíveis, principalmente quando envolvem sentimentos telúricos e
familiares. Entenda-se por família ou familiar tudo aquilo que nos é inerente.
São os amigos de infância, os cenários da natureza, o clima, o barulho da
chuva, o primeiro professor (a), as brincadeiras e até os desentendimentos
banais da criancice que quando bem conduzidos e orientados forjam no individuo
a necessária competição salutar, por não
ser raivosa.
Isso me faz lembrar a Coreaú de antanho
com seu casario simples, boa parte em beira e bica e alguns jacarés que
propiciavam nos dias de chuva o inesquecível banho. Os arruamentos eram simples
e singelos como seu povo. Três pracinhas e algumas ruelas ainda muitas delas
sem calçamento. Mas isso servia de palco para nossas brincadeiras,
principalmente no inverno, já que ensejava a proliferação da relva verde e da
babugem como expressões biológicas do reviver.
Talvez por essa simplicidade as coisas
aconteciam e repercutiam de forma mais demorada, mais vivida. Eram as conversas
familiares nas calçadas, os novenários de Nossa Senhora da Piedade, os rituais
religiosos solenes e distintos na matriz com o cantar marcante do “coro” da
igreja onde na nossa imaginação não existiam melhores vozes ou cantores, porque
o referencial era aquele. O saxofone do
André ou Lustosa, o piston do Chico Irineu com a surdina, o trombone do
Canarinho, a voz de soprano da Deusa e o
canto marcante da solteirona Anita que era a maestrina ad hoc,
pois sempre começava e terminava os cânticos sacros. Foi neste cenário que vivi
minha infância, quando Pároco era o Padre Benedito Albuquerque.
Mas existe um fato que dentre os demais
foi o mais acentuado. Não consigo esquecer e sou feliz por ter estado presente mesmo
ainda menino. Após a ordenação de Padre Benedito em Sobral, que este ano
completa seu cinquentenário, estar presente à primeira missa dele na matriz de
Coreaú. Ah! Como foi bonito o ritual litúrgico. A entrada triunfal de Padre Benedito com as belas
vestes paramentos de sacerdote, ele visivelmente emocionado, esbanjando
imponência e elegância, mas diga-se sem afetação, em pleno fulgor da beleza da
juventude e a encher de orgulho seus
conterrâneos presentes na inteireza. Era muita gente, todos com a melhor roupa
como a homenageá-lo e a expressar orgulho e satisfação pela conquista do jovem
conterrâneo. Religiosos e religiosas de todos os lugares. Bandeiras, banda de
música. A cidadezinha pululava de regozijo.
Sentados nos primeiros bancos o virtuoso
casal, Seu Zé Barra, de terno branco, e Dona Cocota, pais de Padre Benedito,
acompanhados de toda a prole. Como se sentiam vitoriosos e como era perceptivo
o brilho nos olhos pela satisfação e emoção do filho consagrado! Todos sorriam
ou choravam de emoção. Principalmente os familiares mais próximos. Gerardo, o
saudoso irmão gêmeo de Padre Benedito e os demais irmãos não menos queridos:
Fransquinha, Dedeca e Magnólia, com seus respectivos esposos e filhos ainda
meninos e meninas. A Marta, Célia, Astrogilda, Vera e Guanabara com quem muito
aprontei em inesquecíveis e ingênuas brincadeiras.
Existem homens iluminados e
determinados. A propósito desta assertiva seu irmão gêmeo já citado, Gerardo
Antonio de Albuquerque, pouco antes de falecer, manifestou por escrito em 1997
que: “Dom Benedito é o símbolo da família, uma pessoa dedicada às causas da
Igreja Católica. Sua vocação surgiu do Divino Espírito Santo, é uma pessoa
calma, prudente, comunicativa e amiga da família, sempre nos acolhe quando o
procuramos”.
Feliz da terra que tem dentre seus
filhos gente dessa ascendência. Dom Benedito é um destes e Coreaú foi abençoada
por ser seu berço e por ele ser amada. Verdadeiramente Coreaú tem um marco.
Existem dois Coreaú: o de antes e o de depois de Padre Benedito. Os que tiveram
a oportunidade de acompanhar seu desempenho são testemunhas da pertinácia e
determinação dele na busca incessante de
assegurar a oportunidade de uma vida
digna a seus conterrâneos, a todos,
principalmente aos mais pobres – os quais eram muitos em Coreaú – através do
caminho da educação e de uma sólida base religiosa. E como frutificou essa ação!
Hoje são numerosos os egressos da saga criadora do Educandário, hoje Colégio
Ginásio Municipal N. S. Da Piedade, por Padre Benedito, espalhados nos mais
diferentes pontos do país a viverem dignamente tendo por princípios a decência
e a moral cristã.
Para consolidar essa obra, D. Benedito
com sua liderança e sentimento cristão arregimentou uma plêiade de pessoas da
terra e algumas inserções de outras plagas, os quais compuseram um verdadeiro
apostolado que de forma simples e sob sua determinada e disciplinada regência deram a arrancada na busca da efetivação para mim do mais singelo, porém mais
importante empreendimento dentre os muitos que ele realizou por onde passou.
Como consequência, Coreaú assumiu uma
postura de vanguarda no campo educacional e por isso é talvez, a cidade da
região norte que proporcionalmente possui o maior número de cidadãos graduados
em nível superior. E por decorrência houve uma ascensão socieconômica de
famílias que estariam fadadas a permanecer no atraso e na miséria.
Tudo até aqui contido decorre da
satisfação privilegiada que estou a sentir pelo fato de haver sido convidado
pelo memorialista Leonardo Pildas para prefaciar o livro de sua autoria com os
dados biográficos e a descrição da saga da honrada família de descendente do
casal José Francisco de Albuquerque Sobrinho (Zé Bara) e Maria da Natividade de
Albuquerque (Cocota), dentre os quais se destaca Dom Benedito, cuja vida e
apostolado está descrito em capítulo especial. O contido no livro certamente
perpetua e universaliza o exemplo de que a família estruturada na simplicidade
no amor cotidiano – e está se constitui num exemplo – é e será para sempre o patrimônio maior do
ser humano.
Espero não está a cometer heresia, mas
assim como existe a figura do Bispo Emérito deveríamos nós os coreauenses, já
que não somos sede de Diocese, consagrar Dom Benedito como o Pároco o Emérito
da Matriz de Nossa Senhora da Piedade de Coreaú. Aliás, os bispos gostam de ser
chamados Padres. Isso ouvi de Dom Helder Câmara. E tenho o pressentimento de
que Dom Benedito Albuquerque é possuidor deste mesmo sentimento. Talvez pela imagem
do Padre simbolizar a juventude com os sonhos destemidos e despojados a serviço
da ética maior que é a pratica do bem.
Galba Gomes
Cirurgião-Dentista, Professor do curso
de Odontologia, mestre em Psicologia e ex-aluno de Padre Benedito no
Educandário N.S. da Piedade.
Texto extraído do prefácio da obra de Leonardo Pildas, ano de publicação: 2003
Indicação: Professor Davi